quarta-feira, 22 de maio de 2013

UMA TARDE COM JÚLIA



A semana começou na terça-feira (21/05) com o espetáculo Júlia, do Grupo de Teatro Cirquinho do Revirado, de Criciúma – SC, realizado na Praça Alencastro, no centro de Cuiabá. A montagem apresentava os personagens Júlia e Palheta, interpretados pelos atores Yonara Marques e Reveraldo Joaquim; dois mendigos de rua, bufões, que anunciavam a todo momento a apresentação de um número de circo: a dança da aleijada. Júlia, incapaz de andar, precisava de um adereço de cena parecido com um “mini carro alegórico” ou um altar, com rodinhas, que tinha dupla função: servia para carrega-la e dava conta do cenário do espetáculo. O adereço fazia referência àqueles carrinhos onde os mendigos de rua carregam suas vidas; uns usam uma espécie de carroça, outros conseguem carrinhos de supermercado. Neste “altar” da Júlia percebia-se toda uma vida; ora aquilo parecia uma casa de lona de circo, ora servia de caixa de pandora expelindo toda sorte de objetos de uso pessoal dos mendigos da história, outro momento era portador da sonoplastia da ação: um varal de roupas sujas, uma bacia que as lava, sapatos velhos, velhos malabares de um circo falido, uma sombrinha furada, umas muletas que fingem pernas... Júlia é uma “tadinha” por não conseguir andar e Palheta cuida dela, uma relação grotesca e esdrúxula, carregada de violência e escatologias. São atores de um circo que pegou fogo e que não existe mais, mas que carregam seus destroços. Podemos identificar um chicote de domador que Júlia usa para bater em Palheta, um trapézio que Palheta usa para puxar o carrinho que carrega Júlia, partes de figurinos e cenários. Seguimos sua rotina até a tão anunciada Dança da Aleijada, quando Júlia veste uma saia rodada e monta em um celim de monociclo sem rodas, girando de pé feito uma bailarina espanhola quebrada em uma caixinha de música velha. Depois do número eles passam o chapéu e Julia não fica satisfeita com a quantidade de dinheiro que colocam no chapéu. É a hora da quebra; ela reclama e esbraveja, rogando pragas aos quatro ventos, atacando os espectadores mesquinhos que não tem pena de uma aleijada. Enquanto dura a bronca ela se levanta mostrando que a deficiência era uma farsa, e revela que fazem isso todos os dias para viver. A história é uma referência ao artista de rua, aleijado e excluído, apesar de exposto, precisando viver do que lhe oferecem como paga – um dia de cada vez. Como bons bufões, Júlia e Palheta não poupam no sarcasmo e provocam uma reação que é um misto de simpatia e antipatia; ao mesmo tempo em que gostamos de Júlia e Palheta e rimos com eles, temos nojo, raiva e antipatia, mas indiferença jamais. Os atores são muito bons e conseguem manter a energia do espetáculo sempre intensa. A fala é uma mistura de espanhol, romani e gramelô, num tatibitate que equilibra uma dentadura bem feia de dentes podres. A caracterização, aliás, é um primor; tanto figurino quanto cenário e adereços de cena, o que torna toda encenação bem impactante. Os atores conseguem instaurar o jogo dos mendigos com muita propriedade, mas o arremate deixa a desejar. O público correspondeu muito bem à encenação, comparecendo e interagindo com o espetáculo; muito bom de ver. Corra que ainda dá tempo de acompanhar os espetáculos do Palco Giratório, que encerram dia 31 deste mês. 

Juliana Capilé e Tatiana Horevicht
CIA. PESSOAL DE TEATRO