quinta-feira, 9 de maio de 2013

O Filho Eterno no Palco Giratório - Resenha Teatral do Palco Giratório


O Palco Giratório 2013 inicia com o espetáculo “O Filho Eterno”, da Cia Atores de Laura (RJ). O monólogo escancara a alma de um pai que se debate para aceitar a existência do filho com Síndrome de Down. A surpresa, a revolta, a culpa e a vergonha; tudo revelado sem o menor pudor. O choque em ouvir o ponto de vista mais cruel é atenuado pelo discurso em terceira pessoa, levado com muita competência pelo ator Charles Fricks, que narra ao mesmo tempo em que executa a ação, o que revela o distanciamento do personagem Pai em relação ao seu filho inesperado e indesejado: Felipe, o único nome revelado na história. Esse efeito de distanciamento, calcado nos estudos de Bertolt Brecht, também sugere que o ator-narrador está apontando para a história que narra, revelando seus pormenores, segredando ou acusando, mas acima de tudo, expondo o personagem para a plateia. O espetáculo tem esse tom confessional e transforma os espectadores em cúmplices, e executando nosso papel, engolimos em seco as ofensas na esperança de que uma hora ou outra esse Pai vai entender. Variamos entre a piedade e a identificação. Ouvimos  a versão da ciência sobre os portadores da Síndrome de Down e junto com esse diagnóstico, todo tabu da inteligência perfeita e apropriada. Como o espetáculo se passa nos anos de 1980, constatamos o quanto nossa sociedade pouco sabia sobre pessoas diferentes e o quanto tantas famílias sofreram com isso, fato que empurra a montagem para o teatro-documentário, ou biodrama. Outra característica de biodrama é o fato de que a história se baseia no livro autobiográfico de Cristóvão Tezza, apesar do autor preferir que sua obra seja recebida como romance. Biodrama ou não, o espetáculo assim como o livro, ganha em por se concentrar no problema e não na solução. Aquele Pai que estava na nossa frente assumia para si toda a ignorância do mundo, pois era ele quem se debatia buscando a aceitação. Bastante interessante o jogo de espelhos da realidade de Pai e filho; desde o início o Pai se revela um “sustentado pela mulher, em todos os sentidos”, desempregado, sem maiores competências. Como escritor fracassado, se defendia do que não podia suportar com um comportamento piadista e falsamente alegre. Ele mesmo se mostra como um desajustado socialmente, e  ri disso muito facilmente.  Semelhante a uma fita de Moebius, essas características são as mesmas que o incomodarão no filho; sua preocupação será com a incapacidade do filho de arrumar emprego, sua dependência, sua fraqueza física, sua despreocupação, e sua alegria. O que o incomoda no filho é justamente a semelhança com ele mesmo; é o reconhecimento de que Felipe é uma nova versão de sua própria pessoa.  A montagem reforça uma visão científica carregada de preconceito, salientando que “no final dos anos 80 ninguém sabia o que era Síndrome de Down; chamavam de mongoloide”, cheia de impropérios que soavam como verdade para o Pai, que não consegue oferecer uma segunda opinião. Fica a encargo do espectador deixar minar a outra verdade sobre os portadores da Síndrome de Down, a outra verdade sobre Felipe. Impassíveis, deixamos o Pai se debater, e como Felipe, recebemos todo preconceito e intolerância que ele tem para nos atirar. A direção de Daniel Herz é de uma simplicidade desconcertante, colocando no palco o Pai “sozinho, como sempre esteve na vida” e uma cadeira, que representa a única pessoa que realmente importava na vida deste Pai, ou seja, ele mesmo. No final o palco recebe mais uma cadeira; éFelipe que é finalmente aceito.  A iluminação é cirúrgica, pontuando precisamente os efeitos do ato de se debater, mas não revela nada além da confissão. Toda montagem se concentra nesta confissão estertorada, impedindo a distração.

JULIANA CAPILÉ (Colaboração de Tatiana Horevicht)
CIA PESSOAL DE TEATRO