Núcleo de Pesquisas Teatrais Encontros Possíveis

2 a 5 de dezembro de 2014 em Cuiabá e Chapada dos Guimarães-MT

Cidade dos Outros

A vida é um jogo que deve ser vencido a qualquer custo, mas o que se pretende ganhar?

Primeira Pele

O espetáculo traça o signo desta companhia que busca o aprimoramento e a intersecção das linguagens artísticas em seus espetáculos

Criadouro

O espetáculo trata do tema contemporâneo do consumo e o quanto a ganância pode ser fatal

segunda-feira, 27 de maio de 2013

AVE LOLA!




A presença da Ave Lola (Curitiba-PR) no Palco Giratório 2013, no sábado dia 26/05, com o espetáculo O Malefício da Mariposa elevou o termo no que tange a manipulação de bonecos. Utilizando a técnica do Bunraku, o grupo apresentou uma fábula de Federico Garcia Lorca sobre o malefício do amor e a maldade dos poetas, que revelam sentimentos que podem ser perigosos para os insetos (e não só para eles). Uma poética reflexão sobre a característica natural do amor, que “atinge a todos com a mesma intensidade”, quer sejam humanos, quer sejam insetos. Na fábula do poeta espanhol, Curianito se apaixona por uma mariposa encantada. Por algum motivo que não vem ao caso, Curianito estaria sentenciado à morte caso insistisse nesse sentimento. Temendo por sua vida, sua mãe, com a ajuda de uma ‘doutora’, tentam dissuadir o inseto-poeta de sua paixão, empurrando Curianito para os braços de uma insetinha rica e perdidamente apaixonada por ele. Nada funciona e Curianito acaba por escolher o amor, em detrimento da própria vida. A técnica corporal dos atores é ótima, por vezes se aproximando de algo que lembra a técnica do Kabuki (teatro japonês). Suas ações corporais foram estudadas através da observação dos movimentos dos insetos que o conto cita. Mesclando manipulação e atuação, os atores revezavam entre a manipulação e as vozes dos bonecos. A encenação que inicia com um prólogo em espanhol com direito a tradução simultânea, deixa a desejar no quesito entendimento da narrativa. Apesar de ser de fácil entendimento e dedução, o espanhol e a narrativa poética não proporcionaram uma boa compreensão do espetáculo, que encanta pelos figurinos, luz, música e a manipulação dos bonecos.  O ponto alto é uma quebra, muito bem feita, em que uma das personagens/boneco sai do controle e pára o espetáculo, pedindo para conversar com a diretora. Um momento ímpar, principalmente pela maestria com que foi executado. O grupo mostrou preocupação com um teatro de qualidade, que valoriza a poesia e o preciosismo técnico. Marcou presença, sem dúvida.


Juliana Capilé e Tatiana Horevicht
CIA PESSOAL DE TEATRO

MAMULENGO DE SERGIPE



            O grupo Mamulengo de Cheiroso, de Aracaju (SE) apresentou-se na sexta feira (24/05) nos jardins do SESC Arsenal, representando a cultura popular nordestina no Festival Palco Giratório 2013 em Cuiabá. O texto As Aventuras de uma Viúva Alucinada tem a assinatura do renomado mestre mamulengueiro Januário Oliveira, o Janú e traz a marca do teatro popular de bonecos do nordeste: o improviso. O eixo principal da história conta o desespero de uma viúva à caça de um marido para ajudá-la a criar os três filhos; no afã de encontrar um “homem”, ela se envolve até com o Diabo, que a leva para o inferno. Quem salva a viúva e a história é o compadre Cheiroso que acaba ficando como herói e pretendente. O jogo cênico inclui brincadeira com a plateia, com os funcionários do SESC, inserções sobre a cidade e muita música. A manipulação é bem simples, com pouco apuro técnico e sem grandes momentos. Os bonecos também são confeccionados de forma bem simples. O teatro popular de bonecos é basicamente uma brincadeira; sua marca é a animação. Tradicionalmente a brincadeira de mamulengo é um pouco mais “pesada” do que o que vimos no jardim do SESC; as brincadeiras eram ainda de cunho sexuais, mas nem tanto. Só ficou no jogo de um agarrar o outro, da viúva querer um homem senão é capaz de agarrar o padre, um chamando o outro de feio e a dancinha do “lek lek lek”. A música, executada ao vivo foi empolgante; posicionados atrás do pano, os músicos marcaram presença com sanfona, zabumba e triângulo, pontuando a história. As pesquisas com a cultura popular, muito presente no teatro contemporâneo, são bastante interessantes quando se busca trabalhar as questões locais, ampliando esse entendimento para questões universais. No caso do espetáculo de Sergipe, a maior contribuição foi o registro de uma cultura, rica e divertida, mas nada mais do que isso.
Juliana Capilé e Tatiana Horevicht
CIA PESSOAL DE TEATRO

quarta-feira, 22 de maio de 2013

UMA TARDE COM JÚLIA



A semana começou na terça-feira (21/05) com o espetáculo Júlia, do Grupo de Teatro Cirquinho do Revirado, de Criciúma – SC, realizado na Praça Alencastro, no centro de Cuiabá. A montagem apresentava os personagens Júlia e Palheta, interpretados pelos atores Yonara Marques e Reveraldo Joaquim; dois mendigos de rua, bufões, que anunciavam a todo momento a apresentação de um número de circo: a dança da aleijada. Júlia, incapaz de andar, precisava de um adereço de cena parecido com um “mini carro alegórico” ou um altar, com rodinhas, que tinha dupla função: servia para carrega-la e dava conta do cenário do espetáculo. O adereço fazia referência àqueles carrinhos onde os mendigos de rua carregam suas vidas; uns usam uma espécie de carroça, outros conseguem carrinhos de supermercado. Neste “altar” da Júlia percebia-se toda uma vida; ora aquilo parecia uma casa de lona de circo, ora servia de caixa de pandora expelindo toda sorte de objetos de uso pessoal dos mendigos da história, outro momento era portador da sonoplastia da ação: um varal de roupas sujas, uma bacia que as lava, sapatos velhos, velhos malabares de um circo falido, uma sombrinha furada, umas muletas que fingem pernas... Júlia é uma “tadinha” por não conseguir andar e Palheta cuida dela, uma relação grotesca e esdrúxula, carregada de violência e escatologias. São atores de um circo que pegou fogo e que não existe mais, mas que carregam seus destroços. Podemos identificar um chicote de domador que Júlia usa para bater em Palheta, um trapézio que Palheta usa para puxar o carrinho que carrega Júlia, partes de figurinos e cenários. Seguimos sua rotina até a tão anunciada Dança da Aleijada, quando Júlia veste uma saia rodada e monta em um celim de monociclo sem rodas, girando de pé feito uma bailarina espanhola quebrada em uma caixinha de música velha. Depois do número eles passam o chapéu e Julia não fica satisfeita com a quantidade de dinheiro que colocam no chapéu. É a hora da quebra; ela reclama e esbraveja, rogando pragas aos quatro ventos, atacando os espectadores mesquinhos que não tem pena de uma aleijada. Enquanto dura a bronca ela se levanta mostrando que a deficiência era uma farsa, e revela que fazem isso todos os dias para viver. A história é uma referência ao artista de rua, aleijado e excluído, apesar de exposto, precisando viver do que lhe oferecem como paga – um dia de cada vez. Como bons bufões, Júlia e Palheta não poupam no sarcasmo e provocam uma reação que é um misto de simpatia e antipatia; ao mesmo tempo em que gostamos de Júlia e Palheta e rimos com eles, temos nojo, raiva e antipatia, mas indiferença jamais. Os atores são muito bons e conseguem manter a energia do espetáculo sempre intensa. A fala é uma mistura de espanhol, romani e gramelô, num tatibitate que equilibra uma dentadura bem feia de dentes podres. A caracterização, aliás, é um primor; tanto figurino quanto cenário e adereços de cena, o que torna toda encenação bem impactante. Os atores conseguem instaurar o jogo dos mendigos com muita propriedade, mas o arremate deixa a desejar. O público correspondeu muito bem à encenação, comparecendo e interagindo com o espetáculo; muito bom de ver. Corra que ainda dá tempo de acompanhar os espetáculos do Palco Giratório, que encerram dia 31 deste mês. 

Juliana Capilé e Tatiana Horevicht
CIA. PESSOAL DE TEATRO 

terça-feira, 21 de maio de 2013

O VENTO FORTE QUE ESPANTA A DITADURA – Resenhas Teatrais do Palco Giratório 2013



O grupo Teatro Ventoforte (SP) apresentou dois espetáculos no Circuito Especial do Palco Giratório: História de Lenços e Ventos e As 4 Chaves. O espetáculo História de Lenços e Ventos completa 40 anos de existência! Foi concebido em plena ditadura militar da América Latina e trabalha temas espinhosos, como a opressão, a supressão da liberdade, a violência física, e a frustração; tudo isso para crianças. O grupo trabalha com linguagem infantil, ensinando através da arte, se preocupando em transmitir um pensamento, antes de tudo, libertário. Mistura no mesmo espaço, o ator e o boneco, cantando e dançando, celebrando a vida numa grande festa. O espetáculo História de Lenços e Ventos (18/05) é uma grande brincadeira de quintal. Tudo parece uma bagunça sem fim, mas logo se pode perceber que cada coisa tem seu lugar e seu espaço, como uma grande caixa de brinquedos. O dono da caixa é Ilo Krugli, um palhaço nascido na argentina, diretor, ator, dramaturgo e mentor do Ventoforte, que viveu na carne os mais duros anos da ditadura, mas que ainda trabalha e deseja um mundo melhor. É dele que sai a energia do grupo e a proposta mais contundente: falar para a criança e para os que não deixaram de ser crianças. E é como crianças que devemos participar: coração aberto e puro. O desavisado pode se chocar e acabar perguntando: onde vamos parar com isso? O que interessa é o caminho e não o desfecho da história. No espetáculo a história muda de rumo como o vento do título, sem se preocupar em continuar nada. Começa de um jeito, toma outro rumo, antecede trechos, volta e retoma, num ritmo que lembra mais uma criança brincando do que um espetáculo convencional de teatro. Há momentos fantásticos em que a história deixa de ser contada porque o ator não quer dar o texto por considerar forte demais aquela notícia. Somos chamados para a brincadeira pelos bonecos Manuel e Manuela, manipulados pelo próprio Ilo, que têm uma personalidade caótica e temperamental, lembrando bastante os bonecos de feira do nordeste. Por uma confusão difícil de descrever, Manuel e Manuela se trancam numa mala e decidem que não farão o espetáculo. O elenco precisa, então, tomar outro rumo e resolvem fazer outra história a partir dos lenços que eles trazem consigo. Conhecemos a Azulzinha, um lencinho muito simpático, cujo sonho é aprender a voar. No desejo de realizar o seu sonho Azulzinha se mete em muitas aventuras, indo parar no Reino Medieval, sequestrada para casar com o Rei de Metal. Acontece que a intrépida personagem possui um admirador, o Papel, que ela conheceu no quintal onde morava. Papel faz de tudo para salvar sua amada, lutando para superar a opressão tirânica e a violência. Num momento impressionante, um homem encapuzado sequestra Papel e o queima numa bacia. Frustração. O elenco fabrica outro boneco, um Papel mais forte com o coração de celofane. Ele ganha escudo e lança e vai lutar com o Rei de Metal para conquistar Azulzinha. Como a luta é de sombras, o Papel ganha do Metal e tudo acaba em música. Inevitável sentirmos os ares da história; o espetáculo fala da ditadura o tempo todo. O desaparecimento de Azulzinha; a opressão do rei tirano; a cidade Medieval, onde tudo é arrumadinho e perfeito; a destruição do corpo do personagem Papel e sua reconstrução, mais forte; alegorias de uma época que inspirou o espetáculo e que formou a base forte do grupo. Vida longa ao Ventoforte e à IloKrugli; que sua contribuição se multiplique pelos corações que tocou com sua arte.

Juliana Capilé e Tatiana Horevicht
CIA PESSOAL DE TEATRO