sexta-feira, 17 de maio de 2013

O BOI E SEU MIOLO, Resenhas teatrais do Palco Giratório 2013



Dois monólogos trabalharam a temática do boi nessa quarta e quinta-feiras no Palco Giratório. Na quarta (15/05) conferimos o Boi, da SerTão Teatro Infinito Cia. (GO), com direção de Hugo Rodas e atuação de Guido Campos Correa, que contou a história de Zé Argemiro e sua paixão pelo boi Dourado; um amor tão grande que deixa sua esposa Das Dores muito enciumada a ponto dela resolver matar o animal para libertar seu marido do ‘feitiço’. A solução final de Das Dores surte efeito contrário e acaba por transformar Zé Argemiro num boi. O conto, trabalhado de forma narrativa e marcações poéticas é permeado por enxertos carnavalescos que quebram com a narrativa numa mudança brusca de apolíneo para dionisíaco, numa ação que o ator chamava de “momento interativo do espetáculo”. Nesses momentos interativos o ator conversava com a plateia sobre assuntos nada relacionados ao drama de Argemiro, numa atitude “escrachada”, como ele mesmo classificou, em clara referência dionisíaca. Ao longo da narrativa, vários momentos de virtuosismo, onde o ator dança e canta. As máscaras de boi promovem um efeito enriquecedor, lembrando ora Minotauro, ora a figura do diabo dos brincantes. A mistura desses elementos todos, dionisíaco, apolíneo, narrativo, carnavalesco, regional e brincante, conferem um tom bagunçado, como a junção da poesia que há no amor de um homem por um boi ao som da música do ABBA. Com essa mistura a montagem enxerga uma “relação gay” entre Argemiro e o boi Dourado, abordando  não pelo sentimento homoafetivo ou zooafetivo, mas pela carnavalização referenciada pela música disco e o exibicionismo do ator. O efeito não foi de mistura, e sim de colagem, pois uma linguagem não conseguiu correspondência com a outra. É a eterna briga entre o apolíneo e o dionisíaco.
Já o outro monólogo da quinta-feira (16/05), dia de chuva e Bulixo, foi bem mais coerente. O espetáculo O Miolo da História, da Santa Ignorância Cia. De Artes (MA) conta o dilema de João Miolo, um pedreiro que também é brincante de Bumba-Meu-Boi. João é miolo, ou seja, responsável por mexer o corpo do Boi durante a brincadeira, e sonha em ser cantante e por fim deixar de estar escondido pela pele do boi, podendo ser visto e reconhecido. Acontece que o talento de João é ser miolo; é o que faz de melhor. Inconformado com a pouca exposição, João se revolta e deixa a boiada, mas quando se machuca na construção, precisa retomar sua relação com São João Batista e seus correspondentes no sincretismo religioso. Novamente a figura do brincante aparece no Palco Giratório, trazendo uma relação contemporânea na cena. Neste espetáculo o corpo do ator Lauande Aires executa o tempo todo, passos do Boi; a dança, o gestual, o ritmo. Lauande também é responsável pela direção e texto, o que centraliza nele a narrativa da história. Em alguns momentos ficamos um tanto perdidos na regionalização, mas o espetáculo consegue universalizar se concentrando na vontade de João em ocupar uma posição de maior destaque na brincadeira. A atuação intercala momentos narrativos com a dramatização dos personagens, que escorrega um pouco na dosagem dramática, um tanto carregada. O cenário abstrai um pouco mais utilizando objetos da vida de João, como os instrumentos do trabalho na construção civil e sua identidade de brincante. Bonito efeito quando o carrinho de mão se transforma no corpo do Boi e João sai dançando com ele. Outro ponto alto é a imagem da bicicleta que João pedala todos os dias para o trabalho, feita de peneiras como rodas, presas no alto de uma escada de pintor.
A importância de um circuito como o Palco Giratório é justamente fazer chegar a diferentes públicos, espetáculos de diferentes registros e modalidades. Ver um espetáculo de Goiás ou do Maranhão nos possibilita uma visão mais alargada do panorama da produção cênica da Brasil e prova que nosso país possui diversidade cultural e artística. Apesar de termos a sensação de que os espetáculos seguem um fluxo semelhante, muito próximos da performatividade e das influências do teatro contemporâneo, percebemos que cada espetáculo tem uma linguagem e uma forma de corresponder a essas influências. Essa multiplicidade de gêneros e abordagens temáticas são só a pontinha do iceberg que é a grandeza do teatro brasileiro. Acompanhe os espetáculos do Palco Giratório e não perca essa chance de conhecer um pouco mais do panorama das artes cênicas no Brasil.
Juliana Capilé e Tatiana Horevicht
CIA PESSOAL DE TEATRO