sábado, 11 de maio de 2013

O FANTÁSTICO CIRCO HUMANO - Resenha Teatral do Palco Giratório 2013



Passou pelo Palco Giratório 2013, na sexta-feira (10/05)o monólogo O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só, da Cia Rústica (RS), interpretado pelo ator Heinz Limaverde. Quem foi para ver um espetáculo convencional de palhaço pode ter se decepcionado bastante; o monólogo é um espetáculo sobre o palhaço e não com ele. Ou ainda, sobre a existência humana, com toda sua aberração, sua persistência e sua solidão. No picadeiro/ palco, a história de um ator se mistura com suas criações e com a própria história do circo, revelando nossa semelhança com a mulher-barbada, o leão dançarino, a vedete ou o palhaço: somos também solitários e cá estamos tendo que se virar no picadeiro da vida.  A história de vida do ator serve de linha condutora onde a história do circo é contada. A poesia se mistura com a gag numa junção que poderia ser imiscível, mas que passa a ter sentido quando se trata de um personagem que saiu do Crato, interior do Ceará e foi morar em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. A fantástica solidão de quem busca outras terras. O rapsodo, esta tendência de utilizar elementos biográficos dos criadores nas obras, reforça bastante a identificação do ator com o discurso e é uma das características do teatro contemporâneo. Para o trabalho do ator, esta característica torna a função muito mais complicada: na atuação, o discurso distanciado segura a concentração, e a auto identificação joga a concentração nos ares; é comum o ator perder, tropeçar ou simplesmente errar o texto quando o que ele está dizendo está muito próximo dele mesmo. O medo humano da rejeição e do ridículo pode superar qualquer técnica de ator. Em contrapartida temos uma atuação muito mais potente, carregada de emoção e presença, com o ator emocionado em rever sua própria história. Vimos um exemplo disso com Heinz, que se emociona realmente com o bonequinho que o representa nas mãos. A questão crucial do rapsodo é, sem dúvida, o perigo da auto referência se tornar um depoimento existencial, afinal, a nossa história não tem nada de interessante para ninguém, até que se prove o contrário. O teatro exige o excesso, o extra, no trágico ou no cómico. Ficar no meio do caminho é chover no molhado. O blasé, o comum e o cotidiano, se tornam bem pouco teatral se não possuem essa lente de aumento que é o conflito entre oposições. O ator correu este perigo várias vezes (quem não correria?), quando dava uma carga muito dramática a trechos banais, não assumindo nem a tragédia e nem o ridículo da própria existência. A dramaturgia assume tanto a tragédia quanto a comédia da vida de Heinz, opondo, o tempo todo, o trágico e o cômico da solidão. A colaboração dramatúrgica e a direção de Patrícia Fagundes oferece o olhar da alteridade que toda obra necessita para se tornar universal, compensada com o prêmio Açorianos 2011 (da Secretaria Municipal de Porto Alegre) de melhor direção. Receberam no mesmo ano o prêmio de melhor figurino, que, realmente, é muito bom; além de caracterizar perfeitamente a situação e os personagens, obrigação máxima de todo figurino, consegue fornecer um tom sépia a toda aquela memória, se misturando com a cenografia e fornecendo um ar antigo, vintage, dos circos dos anos 1920. Ponto alto é o momento da vedete dançarina e cantora, que Heinz interpreta muito bem, com boa corporalidade e boa voz; um momento virtuosístico. Mas o que me chamou a atenção foi o palhaço Azia que conseguiu, em um dos depoimentos mais curtos, mudar o tom do espetáculo; sozinho o personagem consegue o ponto al dente do sarcasmo, da acidez e da dor do ator autobiografado. Azia é um palhaço chato, que não entende por que os palhaços precisam de nomes “fofinhos” e não acha nada engraçado a vida que leva: eis aí a autocrítica que faltava, assumidamente simples. É um espetáculo para ser visto de perto, poderoso, com forte tom confessional e com um grande ator. Grande por fora e por dentro.
Não perca os espetáculos do Palco Giratório, o ponto alto das artes cênicas em Cuiabá! Nos encontramos lá!
 
JULIANA CAPILÉ (Colaboração de Tatiana Horevicht)
CIA PESSOAL DE TEATRO
Integrante do Coletivo à Deriva