Passou pelo Palco Giratório 2013,
na sexta-feira (10/05)o monólogo O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só, da
Cia Rústica (RS), interpretado pelo ator Heinz Limaverde. Quem foi para ver um
espetáculo convencional de palhaço pode ter se decepcionado bastante; o
monólogo é um espetáculo sobre o palhaço e não com ele. Ou ainda, sobre a
existência humana, com toda sua aberração, sua persistência e sua solidão. No
picadeiro/ palco, a história de um ator se mistura com suas criações e com a
própria história do circo, revelando nossa semelhança com a mulher-barbada, o
leão dançarino, a vedete ou o palhaço: somos também solitários e cá estamos
tendo que se virar no picadeiro da vida.
A história de vida do ator serve de linha condutora onde a história do
circo é contada. A poesia se mistura com a gag numa junção que poderia ser
imiscível, mas que passa a ter sentido quando se trata de um personagem que
saiu do Crato, interior do Ceará e foi morar em Porto Alegre, capital do Rio
Grande do Sul. A fantástica solidão de quem busca outras terras. O rapsodo,
esta tendência de utilizar elementos biográficos dos criadores nas obras,
reforça bastante a identificação do ator com o discurso e é uma das
características do teatro contemporâneo. Para o trabalho do ator, esta
característica torna a função muito mais complicada: na
atuação, o discurso distanciado segura a concentração, e a auto identificação
joga a concentração nos ares; é comum o ator perder, tropeçar ou simplesmente
errar o texto quando o que ele está dizendo está muito próximo dele mesmo. O
medo humano da rejeição e do ridículo pode superar qualquer técnica de ator. Em
contrapartida temos uma atuação muito mais potente, carregada de emoção e
presença, com o ator emocionado em rever sua própria história. Vimos um exemplo
disso com Heinz, que se emociona realmente com o
bonequinho que o representa nas mãos. A questão crucial do rapsodo é, sem
dúvida, o perigo da auto referência se tornar um depoimento existencial,
afinal, a nossa história não tem nada de interessante para ninguém, até que se
prove o contrário. O teatro exige o excesso, o extra, no trágico ou no cómico. Ficar
no meio do caminho é chover no molhado. O blasé,
o comum e o cotidiano, se tornam bem pouco teatral se não possuem essa lente de
aumento que é o conflito entre oposições. O ator correu este perigo várias
vezes (quem não correria?), quando dava uma carga muito dramática a trechos
banais, não assumindo nem a tragédia e nem o ridículo da própria existência. A dramaturgia
assume tanto a tragédia quanto a comédia da vida de Heinz, opondo, o tempo
todo, o trágico e o cômico da solidão. A colaboração dramatúrgica e a direção
de Patrícia Fagundes oferece o olhar da alteridade que toda obra necessita para
se tornar universal, compensada com o prêmio Açorianos 2011 (da Secretaria
Municipal de Porto Alegre) de melhor direção. Receberam no mesmo ano o prêmio
de melhor figurino, que, realmente, é muito bom; além de caracterizar
perfeitamente a situação e os personagens, obrigação máxima de todo figurino,
consegue fornecer um tom sépia a toda aquela memória, se misturando com a
cenografia e fornecendo um ar antigo, vintage, dos circos dos anos 1920. Ponto
alto é o momento da vedete dançarina e cantora, que Heinz interpreta muito bem,
com boa corporalidade e boa voz; um momento virtuosístico. Mas o que me chamou
a atenção foi o palhaço Azia que conseguiu, em um dos depoimentos mais curtos,
mudar o tom do espetáculo; sozinho o personagem consegue o ponto al dente do sarcasmo, da acidez e da dor
do ator autobiografado. Azia é um palhaço chato, que não entende por que os
palhaços precisam de nomes “fofinhos” e não acha nada engraçado a vida que
leva: eis aí a autocrítica que faltava, assumidamente simples. É um espetáculo para
ser visto de perto, poderoso, com forte tom confessional e com um grande ator. Grande
por fora e por dentro.
Não perca os espetáculos do Palco Giratório, o ponto alto das artes cênicas em Cuiabá! Nos encontramos lá!
Não perca os espetáculos do Palco Giratório, o ponto alto das artes cênicas em Cuiabá! Nos encontramos lá!
JULIANA CAPILÉ (Colaboração de Tatiana Horevicht)
CIA PESSOAL DE TEATRO
Integrante do Coletivo à Deriva