Após
uma semana em cartaz (de 26 a 30 de agosto) na sala 06 do Instituto de Educação
– gentilmente cedida para o Projeto Artes no IL – , a peça teatral Cidade dos Outros terminou sua
participação. Um bom público compareceu ao espetáculo, atrás de qualidade em Arte,
e a expectativa foi alcançada.
O
texto, vencedor do Prêmio Mirian Muniz (Funarte), é de autoria de Juliana Capilé e em cena estão ela mesma e Tatiana
Horevicht. Mas será que somente as duas atrizes estão em cena?
Uma
máquina enorme ocupa quase toda a sala e a ação começa. Logo descobrimos que,
mais que a máquina gigantesca, enchem o espaço o tom de vozes e os gestos das personagens, que saem como uma flecha a
nos atingir em cheio – tanto é assim que assistimos a várias pessoas na plateia
gesticulando junto, respondendo ao texto, tamanha é a verdade de atuação das
atrizes e a qualidade envolvente do diálogo, que torna personagens seres
íntimos e muito reconhecidos de todos, em qualquer cidade do mundo.
A
máquina, per si, engendra um movimento, mas é em vão. Move-se circularmente,
não
sai do lugar – metáfora de vidas.
O
texto de Capilé é tocante, sem concessão: incomoda. O reconhecimento do
diálogo, com a situação gerada, é imediato e crescente, para quem tem olhos
para ver, ouvidos para ouvir, a perceber o mal que pode significar ser e
não-ser numa cidade.
Ao
non sense, ao absurdo, à crueza,
soma-se a infantilidade das personagens – dois despossuídos – que discordam, mas amenizam suas rudezas para suportar
melhor – juntos – o dia a dia.
A
crença na sorte como única possibilidade de mudar suas vidas – o dinheiro vindo assim fácil pela aposta no
jogo.
À
espera da mudança em seus destinos; passada com simplicidade em soluções, cheia
de lugares-comuns, vidas rascunhadas apenas, com lampejos de discernimento –
logo postos de lado, pois ameaçam o equilíbrio, revelariam o vazio de suas
vidas.
Falas
de gente anônima, receptores do desprezo social.
De
invisíveis.
Crônica
dos males e males crônicos.
Para
que dividir se você pode se dar bem sozinho?
E
o homem? Ser racional, “acima” das outras espécies?
O
que faz? Escorraça-as – “um cavalo caiu no buraco”
Quem
cuida? Quem o salva? – não vale a pena.
Mas
tragédias são reconhecíveis, são comentadas,
Um
caminhão passou por cima de um carro
Afinal
“ele se safou” – espanto geral, de tanto espanto até entretém
E
torce e retorce na mesma notícia
Inteligentemente,
a única obra musical da peça é uma ciranda de roda,
como
a nos dizer como éramos ingênuos quando pequeninos e
como
nos tornamos cruéis e massificados pela roda viva do mundo adulto.
Sons
vêm da esquizofonia do rádio de uma das personagens
A
escutar qualquer coisa... vozes, noticiário, a hora do Brasil... tanto faz.
É
preciso passar o tempo
E
girar pelo espaço
Andar
e chegar ao mesmo lugar.
Teresinha Prada – Bacharel
em Música, Violão, pelo Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista (UNESP); Mestre em Produção Artística e
Crítica Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América
Latina
– Prolam, da Universidade de São Paulo (USP); Doutora em História
Cultural USP; pesquisadora e docente na graduação em Música e no
Mestrado em
Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato
Grosso.