domingo, 12 de maio de 2013

GABRIELA DE NELSON - Resenha teatral do Palco Giratório



A Cia. Mungunzá (SP) baixou em Cuiabá, no sábado (04/05) com o premiado espetáculo Luís Antônio Gabriela, vencedor do Premio Shell de melhor direção, uma das mais importantes premiações das artes cênicas do Brasil. Mesmo sendo cansativo para alguns, os espectadores saíram tocados com a história de Gabriela, nascida Luís Antônio, em uma família santista, interior de São Paulo na década de 60. Viveu a infância e juventude entre o amor e o desprezo da família, por ser homossexual. Adotado por seu pai verdadeiro e a esposa do pai, foi o mais velho de seis irmãos entre eles Nelson Baskerville, diretor e propositor do espetáculo que divide a dramaturgia com Verônica Gentilin.  Idealizado no formato de teatro documental, ou biodrama, o espetáculo não poupa em detalhes sórdidos da história de Gabriela e sua família, escancarando sem pudor segredos como o aliciamento de Luís Antônio contra os irmãos mais novos, as brigas em família, as traições, as ignorâncias e o desprezo. Nelson, o diretor do espetáculo, foi aliciado pelo irmão durante sua infância e na fase adulta se recusa a vê-lo.  Luis Antônio resolve “viver sua vida”, assumindo sua homossexualidade e recorrendo às drogas, bebida e silicones, realizando inúmeras cirurgias de mudança corporal para conseguir enfrentar suas dificuldades e sua solidão. Seu estilo de vida acaba levando-o à morte, sem ter  a chance de falar com seu pai antes de morrer e sem receber o perdão de seu irmão, Nelson.  A montagem trabalha com este material potencialmente inflamável e não suaviza nem um pouco antes de apresentá-lo.  Utilizando recursos áudio visuais, com câmeras em cena que recortam a imagem dos atores, define uma perspectiva para encarar a história, além de cenas gravadas que reforçam a veracidade dos fatos e documentam os depoimentos. Numa opção pelo grotesco, a direção expõe o coração, às vezes literalmente, rasgando a fragilidade dos personagens; tudo em uma atuação performativa, com atores ora representando a si mesmos e sua opinião “pessoal”, ora representando um dos personagens da trama. Esta opção, bem cara ao teatro contemporâneo, serviu de silicone e cílios postiços para uma história geneticamente melodramática. Isto é especialmente interessante: o espetáculo é um melodrama travestido de performativo, tal como o personagem principal, que nasceu geneticamente homem, mas se define mulher. Para conseguir não apagar os traços melodramáticos de sua história, a direção se utiliza deste grotesco e de muito sarcasmo, brincando com as alegorias do enredo. Três cenas foram particularmente chocantes: a violenta surra do Pai em Luís Antônio, a masturbação explícita de Luís e o estupro sofrido por Nelsinho, praticado por Luís. Muito violento, mas necessário; fazia parte do material bombástico trabalhado pelo grupo e não poderia deixar de ser diferente. Desejamos não ver essas cenas, da mesma forma que desejamos que elas não tivessem acontecido; nem com esta família e nem com ninguém. Mas aconteceu, e a Cia. Mungunzá conta como isso aconteceu, lembrando que este pensamento fez parte de uma época “que para gostar de homem o sujeito tinha que ser mulher”, registrando o preconceito e a intolerância que um travesti ou transexual precisava passar, e que, infelizmente, ainda enfrenta nos dias de hoje. A dramaturgia é uma costura de vários depoimentos dos personagens reais, além de enxertos dos próprios atores, trabalhada durante improvisos nos ensaios. O único ‘porém’ foi termos assistido o espetáculo em palco italiano, mas sabemos que a escolha pela troca de espaço, que inicialmente seria no Salão Social do SESC, em formato de arena e com o espectador mais próximo, foi motivada pela consciência de possibilitar que mais pessoas pudessem assistir, já que foi uma única apresentação. Assistir o espetáculo frontalmente deixou a desejar, já que era uma profusão de informações e objetos e ações em forma de cenário e ação cênica, que o palco italiano não permite que o espectador tenha a possibilidade da fruição desse subliminar texto, que é o espaço. Mas acredito que foi necessário; gostando ou não, saímos tocados por Gabriela, Nelson e o poder de experienciar um espetáculo performativo desta intensidade. Palmas ao Palco Giratório que proporciona este tipo de experiência.

TATIANA HOREVICHT E JULIANA CAPILÉ
CIA PESSOAL DE TEATRO