"Cidade
dos outros permite várias miradas e, sendo
assim possibilita ao espectador atitudes de recolhimento reflexivo,
contemplação da cena teatral como explicitação de estética
arrojada e oitiva atenta de um texto que apresenta a cotidianidade
com saberes transpassados pela diversidade contemporânea.
O
artifício cênico mais que sublinhar a representação
contextualizada aparenta chamar a atenção para aquilo que de tão
ocasional passa despercebido e/ou divide opiniões. Assim é que o
acidente de carro atravessa todo o espetáculo como recurso que
inicia o ambiente teatralizado e vai destecendo aos olhos dos
personagens e do público o que a percepção apesar de anotar não
registra com exatidão. A precariedade do sentido da visão indica ,
ao contrário do que podia estar no texto,a coloração de uma gama
variada de sentidos que a todo o momento uma ou outra personagem, um
próprio ou um outro, explicitam o acidente com sua incidentalidade.
Incidental é o desempenho do texto, é a interpretação máxima
aparentada nos corpos e nas vestes das atrizes. É a
contemporaneidade fugindo dos jargões conceituais e se metendo na
dolorosa vida. Contemporânea é a vida que se mostra que fere e que
pode ser avaliada pelos desejos temporais e ambientais.
A
máquina sublinha a validade de um homem robotizado? Ou o mesmo
aparato tangencia a volatilidade esfacelada disso que o imaginário
sugere como múltiplo, disso que Cidade dos Outros apropria e faz na
realidade o imaginário. Penso que o olhar mais atento apreende
dores, lutos e emoções que dificilmente são mostradas num tempo
tão cênico. Em verdade creio que a cena que vi não é uma cena,
mas um pedaço da vida devida. As amarrações, as cadeias, os
rangidos tudo é parcela importante da comunicação entrecortada,
cujo viés traduz o caráter oral da peça e a beleza da plasticidade
que se desenrola o tempo todo num jogo de vida e morte.
Parece
que por ser a Cidade dos Outros de algum modo todo mundo se apropria
desse espaço/espetáculo e passa a exigir o silêncio todo tempo
anunciado. Cidade que se avizinha de tantos rumores, de tanto
disse-me-disse, que pede não apenas palmas, mas o anúncio de novos
tempos para o Teatro e para a Vida que se faz Teatro. Não se trata
de mesmice, porém de um outro que pode ser o mesmo. Isso é a prova
que um espetáculo de altíssimo nível, pleno de um arrojado arranjo
estético pode provocar numa espectadora desavisada como eu.
Cuiabá,
tarde qualquer de um domingo de agosto 2013."
Publicado em http://www.circuitomt.com.br/flip/456
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Marília Beatriz é professora da UFMT,mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP), e a mais nova membro da Academia Mato-grossense de Letras.