O Palco Giratório começou na capital
Começou muito bem, com dois espetáculos do AMOK Teatro, “Dragão” e “Kabul”. A Companhia está sediada no Rio de Janeiro e é dirigida por Ana Teixeira e Stephane Brodt. Os espetáculos apresentados fazem parte da trilogia da guerra e tem sua terceira parte em fase de montagem. Os espetáculos são impressionantes, mas o que mais nos empolgou foram as atuações de Stephane Brodt e Fabiana de Mello e Souza. Os dois já trabalharam com Arianne Mnouchkine, no fabuloso Teatre du Soleil. “Dragão” aborda a guerra através de depoimentos de dois palestinos e dois israelenses que contam suas respectivas versões de um atentado a bomba num ônibus. O atentado é fictício, mas os depoimentos são reais. “Kabul” trata da violência fundamentalista imposta ao Afeganistão. Além dos espetáculos, o AMOK Teatro trouxe a Oficina de Máscaras Balinesas, ministrada por Stephane durante toda a semana no Sesc Arsenal. O mais impressionante desta técnica oriental é a seriedade ritualística com que o ator trabalha seu corpo para uma comunicação mais artística. Pudemos conhecer um pouco mais do pensamento artístico de Stephane no Pensamento Giratório, uma roda de debate promovida pelo Festival. Esses momentos de “conversar sobre o assunto” são os mais especiais em um festival de teatro; é onde aprendemos mais sobre o olhar do outro e onde se discute as relações estéticas e poéticas de cada obra. E pelas discussões vemos que temos muito que conversar. No debate de quarta-feira, por exemplo, a impressão era de que ninguém iria falar nada. Terminou o espetáculo e todos ficaram mudos e imóveis, mas o assunto foi evoluindo e acabamos por sair do teatro às dez horas da noite. O espetáculo “A galinha Degolada” foi baseado num conto do uruguaio Horacio Quiroga e conta a história trágica de uma família com seus quatro filhos mentalmente deficientes, “interpretados” por bonecos de pano. Quando nasce uma menina normal, os pais passam a se dedicar apenas a ela, deixando seus outros filhos no abandono. O título se refere a uma galinha que eles assistem ser degolada pela empregada da família e depois fazem a mesma coisa com a irmãzinha que dormia no berço. Entenderam agora porque a platéia não emitia som ao final do espetáculo? Ficamos chocados, com certeza, mas segundo o diretor a intenção não era chocar. Eles se concentraram em extrair beleza do horror, e para isso lançaram mão de uma encenação expressionista com muita influência cinematográfica. A história é contada pelo fantasma da menina morta, que se utiliza de bonequinhos durante a contação. O tema explora a decepção dos pais em relação aos seus filhos, mas também esbarra em questões que fazem parte do nosso olhar moderno, como um certo pudor em ouvir os pais chamarem os filhos de “idiotas”. Assim eram chamados os deficientes mentais nos tempos do Quiroga e os autores mantiveram os termos. Uma opção que ressaltou nossa crítica em relação ao comportamento desses pais, mas nada que nos fizesse nos identificar com os filhos. A direção não buscou dar humanidade aos bonecos e a atuação, carregada de grotesco, aumentou nossa estranheza em relação a esses pais. De acordo com o diretor Jefferson Bittencourt, “ao invés de animar os bonecos, desanimamos os atores”. Na verdade, o que vimos foi uma atuação carregada que tentava traduzir o horror dos pais por terem gerado filhos imperfeitos, além da impotência diante de um fato sem volta.
O Palco Giratório é um projeto do SESC de grande importante para a circulação de espetáculos pelo país. Para registrar isso, vou contar aqui as impressões do Festival mais amado da classe artística cuiabana. Se quiserem opinar na minha opinião, entre em contato pelo meu e-mail. Nos vemos no teatro.
Juliana Capilé (atriz, diretora e dramaturga – Cia. Pessoal de Teatro)
jucapile@gmail.com
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