domingo, 1 de setembro de 2013

Crítica: Cidade dos Outros no Projeto Artes no IL: uma semana de teatro e verdade - por Teresinha Prada


Após uma semana em cartaz (de 26 a 30 de agosto) na sala 06 do Instituto de Educação – gentilmente cedida para o Projeto Artes no IL – , a peça teatral Cidade dos Outros terminou sua participação. Um bom público compareceu ao espetáculo, atrás de qualidade em Arte, e a expectativa foi alcançada.
O texto, vencedor do Prêmio Mirian Muniz (Funarte), é de autoria de Juliana Capilé e em cena estão ela mesma e Tatiana Horevicht. Mas será que somente as duas atrizes estão em cena?
Uma máquina enorme ocupa quase toda a sala e a ação começa. Logo descobrimos que, mais que a máquina gigantesca,  enchem o espaço o tom de vozes e os gestos das personagens, que saem como uma flecha a nos atingir em cheio – tanto é assim que assistimos a várias pessoas na plateia gesticulando junto, respondendo ao texto, tamanha é a verdade de atuação das atrizes e a qualidade envolvente do diálogo, que torna personagens seres íntimos e muito reconhecidos de todos, em qualquer cidade do mundo.
A máquina, per si, engendra um movimento, mas é em vão. Move-se circularmente,
não sai do lugar – metáfora de vidas.
O texto de Capilé é tocante, sem concessão: incomoda. O reconhecimento do diálogo, com a situação gerada, é imediato e crescente, para quem tem olhos para ver, ouvidos para ouvir, a perceber o mal que pode significar ser e não-ser numa cidade. 
Ao non sense, ao absurdo, à crueza, soma-se a infantilidade das personagens – dois  despossuídos – que discordam,  mas amenizam suas rudezas para suportar melhor – juntos – o dia a dia.
A crença na sorte como única possibilidade de mudar suas vidas –  o dinheiro vindo assim fácil pela aposta no jogo.
À espera da mudança em seus destinos; passada com simplicidade em soluções, cheia de lugares-comuns, vidas rascunhadas apenas, com lampejos de discernimento – logo postos de lado, pois ameaçam o equilíbrio, revelariam o vazio de suas vidas.
Falas de gente anônima, receptores do desprezo social.
De invisíveis.
Crônica dos males e males crônicos.
Para que dividir se você pode se dar bem sozinho?
E o homem? Ser racional, “acima” das outras espécies?
O que faz? Escorraça-as – “um cavalo caiu no buraco”
Quem cuida? Quem o salva? – não vale a pena.
Mas tragédias são reconhecíveis, são comentadas,
Um caminhão passou por cima de um carro
Afinal “ele se safou” – espanto geral, de tanto espanto até entretém
E torce e retorce na mesma notícia
Inteligentemente, a única obra musical da peça é uma ciranda de roda,
como a nos dizer como éramos ingênuos quando pequeninos e
como nos tornamos cruéis e massificados pela roda viva do mundo adulto.
Sons vêm da esquizofonia do rádio de uma das personagens
A escutar qualquer coisa... vozes, noticiário, a hora do Brasil... tanto faz.
É preciso passar o tempo
E girar pelo espaço
Andar e chegar ao mesmo lugar.


 Teresinha Prada – Bacharel em Música, Violão, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (UNESP);  Mestre em Produção Artística e Crítica Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – Prolam, da Universidade de São Paulo (USP); Doutora em História Cultural USP;  pesquisadora e docente na graduação em Música e no Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso.